terça-feira, 30 de agosto de 2011

As tarefas e seus componentes

Por Rodrigo Inacio Cenzi


Como já discutimos neste blog, os processos de treinamento dos esportes coletivos estão influenciados pelos processos dos esportes individuais.


Segundo o professor Francisco Seirul.lo Vargas os esportes individuais estão fundamentados na teoria conducionista, estímulo-resposta, enquanto os esportes coletivos possuem uma afinidade maior com as cognitivistas e estruturalistas. Na teoria estruturalista, o sistema psicomotor humano é entendido como uma estrutura aberta composta por um conjunto de subestruturas com suas propriedades e atributos que se relacionam com o meio externo para formar um todo único. 


Seirul.lo coloca as seguintes estruturas:
A estrutura condicional é a que contribui para a carga energética (fisiológica) do exercício. Aparece fundamentalmente na gestão temporal quando são definidos os números de repetições que se realizam no tempo, a separação que existem entre elas, a carga externa e interna de cada um dos tempos de participação.
A estrutura coordenativa se manifesta através dos elementos de técnica individual e sua adaptação às exigências da situação do jogo em que se encontra o jogador.
A estrutura cognitiva é a que permite a tomada de decisão uma vez analisadas as condições do meio externo e relacionadas com a intenção desejada pelo jogador.
A estrutura socioafetiva da ao jogador a possibilidade de propor, interpretar e avaliar qualquer situação de relação interpessoal observada ou vivida nas múltiplas performances compartilhadas com os componentes do seu grupo esportivo.
Fig.1 Integração das estruturas
Vale lembrar que as quatro estruturas são indissociáveis no transcorrer do jogo. Assim sendo o processo de treinamento se desenvolve de maneira integrada. Mas é importante destacar que dependendo do momento da temporada e do microciclo o papel de uma estrutura acentua-se sobre as outras. A este aspecto, Seirul.lo denomina de “Situações Preferenciais Simuladores”. 


As situações que configuram a sessão de treinamento se organizam e estruturam através das tarefas. A tarefa é uma situação simuladora do jogo, modificada e/ou adaptada para incidir sobre determinados aspectos dos nossos jogadores e equipes que desejamos melhorar (Solé 2006). Ainda segundo o autor a tarefa é composta por um conteúdo (um ou mais exercícios) e por algumas condições que acompanham sua realização. Por exemplo, o número de repetições, a intensidade, as pausas, as regras a respeitar em sua execução, etc. A semelhança destes componentes com o jogo determina o nível de especificidade da tarefa, em resumo, uma tarefa pode ser mais ou menos específica. 


Em função do predomínio do caráter das situações de uma tarefa elas podem ser:
Tarefas de caráter genérico
Estas tarefas são compostas por conteúdos genéricos. A natureza e a organização das cargas é totalmente diferente da manifestada na competição. Como exemplo, para um jogador de futebol realizar 3 séries de 12 repetições no supino reto. 
Tarefas de caráter geral
Estas tarefas são compostas por conteúdos gerais. A natureza e organização da carga são parecidas com a observada na competição, e a tomada de decisões é nula ou inespecífica. Como exemplo, para um jogador de futebol realizar um treinamento intervalado curto com 10 repetições de 20”, com 30 segundos de pausa.
Tarefas de caráter dirigido
Estão compostas por exercícios dirigidos. A natureza e organização da carga são semelhantes a da competição. Com elementos coordenativos específicos e tomada de decisão inespecífica. Como exemplo, um circuito realizando “ziguezague” entre cones, tiros curtos com mudanças de direção e etc.
Tarefas de caráter especial
Estão compostas por conteúdos especiais. A natureza e organização da carga são semelhantes a da competição. A tomada de decisões é específica. Como exemplo, um automatismo tático (inversão de jogo) sem oposição.
Tarefas de caráter competitivo
Como o próprio nome diz, são compostas por conteúdos competitivos. A natureza e a organização da carga simulam a competição. Como exemplo, os jogos em espaço reduzido, modificação do número de jogadores e etc.

Segundo Seirul.lo a agrupação das tarefas no tempo configuram as sessões de treinamento, da mesma maneira que uma sessão com predomínio de algum tipo de tarefa terá esse caráter, este tipo de pensamento também se aplica ao microciclo. Assim teremos sessões e microciclos de caráter genérico, geral dirigido, especial e competitivo.


Segundo o professor Julio Tous, mediante esta proposta por níveis de aproximação é possível trabalhar qualquer conteúdo do treinamento (resistência, força, velocidade). Este autor ainda classifica em sete os níveis de aproximação, mas no momento ficarei com estes cinco níveis do professor Francisco Seirul.lo Vargas. 

Fig.2 Níveis de especificidade
Para tentar facilitar a compreensão destes níveis, adaptei a pirâmide (UKA Exercise Classification Hierarchy) desenvolvida pelo Dr. Anatoly Bondarchuc e “United Kingdom Athletics”. Nesta adaptação utilizei os níveis de aproximação do prof. Seirul.lo. Pretendo seguir desenvolvendo a mesma, portanto todas as sugestões serão bem vindas.




Bibliografia:


Seirul.lo, F. Preparacion Fisica Aplicada a los Deportes Colectivos: balonmano. Cadernos técnico pedagóxicos do Inef Galicia.

Solé, J. Planificación del entrenamiento deportivo. Ed. Sicropatsport. Barcelona.

Tous, J. Apuntes del Màster Profesional en Alto Rendimiento en Deportes de Equipo. Área Condicional.

Paco Seirul.lo, Juan Solé y Julio Tous. Classes presenciais no Màster Profesional en Alto Rendimiento en Deportes de Equipo 2008/2010. Barcelona.

UKA Exercise Classification Hierarchy. Acessado em: 30/08/2011.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

As Três Práticas Favoritas do Prof. Guilherme Giudice

Os jogos reduzidos têm sido utilizados como a principal atividade de treino no futebol moderno e tem recebido uma atenção especial no presente blog em posts anteriores.

Sendo assim, estamos inaugurando mais uma modalidade de publicação no blog cienciadoesporte.blogspot.com. Denominada “As práticas favoritas dos profissionais”, tem como objetivo apresentar atividades de profissionais, nas quais são utilizadas para treinar aspectos relacionados ao jogo de futebol, dentro de um processo de treinamento e de um contexto baseado nas condições tático-técnicas das equipes.

Começaremos com a participação do Prof. Guilherme Giudice:

Fazer com que a equipe mantenha a posse de bola, com rápida circulação do objeto, eficiente movimentação dos jogadores, atacando: ora com amplitude, ora buscando uma referência e apoio; é um dos objetivos da equipe em questão, fazendo assim, parte do seu modelo de jogo. Portanto serão apresentados exercícios que buscam trabalhar dentro de uma lógica interna de jogo que permite aos atletas experimentar situações descritas acima.

Exercício 1 – Mantendo a posse de bola com amplitude

Dimensão aproximada: meio campo.
Regras e pontuação: Faz 1 ponto a equipe que conseguir fazer 7 toques consecutivos sem que a outra equipe toque na bola e 2 pontos quando a equipe
consegue fazer com que a bola chegue de um apoio ao outro sem que a equipe adversária toque na bola
Objetivo: Manter posse de bola ofensiva, virar rapidamente o lado da jogada, raciocínio rápido dos atletas.
Variações: Limitar número de toques na bola por jogador; o atleta que fizer o passe deve obrigatoriamente fazer ultrapassagem pelo atleta que recebeu o passe; pontuação formando triângulos com os apoios.
Tempo estimado: série de 5' a 7'




Exercício 2 – mantendo a posse de bola buscando referência

Dimensão aproximada: meio campo.
Regras e pontuação: A equipe que tem vantagem numérica dentro do quadrado defende. Faz 1 ponto a equipe que conseguir manter a posse de bola com 10 passes consecutivos sem interceptação do adversário. E a equipe que está atacando faz 2 pontos se conseguir uma triangulação com o jogador que está dentro do quadrado.
Objetivo: Manter posse de bola, fazer triangulações rápidas.
Variações: Limitar número de toques na bola por jogador; fazer ultrapassagem.
Tempo estimado: séries de 3' a 5'






Exercício 3 – mantendo a posse de bola buscando apoio

Dimensão aproximada: meio campo.
Regras e pontuação: Faz 1 ponto a equipe que conseguir fazer 7 toques consecutivos sem interceptação do adversário; Faz 2 pontos a equipe que conseguir fazer uma triangulação com qualquer um dos apoios de sua equipe. A equipe que conseguir uma triangulação traz o apoio pra dentro do quadrado, ficando assim em vantagem numérica.
Objetivo: Manter posse de bola, fazer triangulações rápidas, girar rapidamente as jogadas de um lado para o outro.
Variações: Limitar número de toques na bola por jogador; fazer ultrapassagem.
Tempo estimado: 3' a 5'






**Guilherme Giudice é graduado em Educação Física pela Universidade do Vale do Paraíba. Tem especialização em Treinamento Desportivo pela Universidade Gama Filho. Treinador da categoria sub-13 do São José Esporte Clube/Programa Atleta Cidadão.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

4º CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO FUTEBOL


Análise. Novidades. Perspectivas

Do dia 12 ao 14 de agosto de 2011, foi realizado, na cidade de São Paulo, o 4º Congresso Brasileiro de Ciências do Futebol (CBCF). O evento contou com a participação de profissionais de diversas áreas do futebol, no qual foram ofertados cursos em diferentes temáticas (categorias de base, preparação tática, preparação física e fisioterapia esportiva), palestras com profissionais renomados no meio do futebol e uma mesa redonda para discussão de temas pertinentes à área (arbitragem e perfil da nova geração de técnicos).

Sendo assim, venho por meio desse texto expor minha opinião e apontar algumas análises que fiz desta quarta edição do CBCF.

Começo minha explanação contando minhas passagens a outros Congressos Científicos. Nesse mesmo evento, no ano de 2008, aconteceu a primeira edição do CBCF. Na ocasião, estava no primeiro ano de especialização em Treinamento Desportivo, cheio de idéias, novos conceitos acerca do treinamento desportivo e vislumbrando os trabalhos realizados pelos clubes “grandes” de futebol na categoria profissional.

O Congresso supriu minhas expectativas. Havia muitos convidados ilustres e temas pertinentes com os quais me interessava na época. Ainda que um pouco fora dos moldes dos Congressos mais tradicionais, sem haver espaço e tempo destinado a apresentação de trabalhos científicos, por exemplo, pude presenciar palestras de profissionais, que no momento, estavam no ápice do desenvolvimento de seu trabalho em seus respectivos clubes (“grandes”). De zero a dez eu diria que o Congresso foi “bom”...rs

Participei também, da 2ª edição do CBCF, no ano de 2009, contribuindo com um trabalho científico no evento, em parceria com Felipe Nunes Rabelo, que também escreve textos para o blog Ciência do Esporte. Lembro-me da fala do professor Miguel de Arruda (UNICAMP) sobre a qualidade (não muito boa) dos trabalhos científicos apresentados e incitando os profissionais a pesquisar e contribuir para o avanço da área.

No ano seguinte não pude participar em virtude de compromissos com o mestrado. E exponho agora, à luz da minha percepção, como foi o quarto evento CBCF.

Primeiro, gostaria de parabenizar os organizadores do evento pela escolha dos temas dos cursos e dos sub temas em cada um deles. Foi uma escolha muito pertinente e que atendeu às necessidades de diferentes públicos. Como eu atualmente coordeno as categorias de base de um clube do interior de São Paulo, participei da temática “categorias de base”, a qual abordou os sub temas: 1) Administração e supervisão nas categorias de base; 2) Aspectos técnicos / táticos e pedagógicos na formação do atleta; 3) Crescimento, Desenvolvimento, Maturação e suas implicações no futebol; 4) Preparação Física nas idades jovens.

Porém, não foram os temas e sub temas que me levaram a expor minha opinião sobre o ocorrido nos três dias de Congresso. Mas sim, quero compartilhar com os leitores que não estiveram presente, pontos positivos dos participantes do respectivo evento. Notei que, em relação aos demais Congressos de anos anteriores, muitos estudantes, graduandos e pós graduandos, já tinham um nível muito bom e atualizado de conhecimento. Essas pessoas estavam presentes por um motivo, conhecer mais e saber como é realizado o trabalho em clubes de excelência. Muitos temas atuais como periodização tática, método integrado, preparação física no futebol moderno, crescimento e maturação biológica, gestão, prevenção de lesões, pedagogia do treinamento, etc, eram temas de interesse dos participantes (inclusive o meu). Visto que o nível intelectual dos participantes estava alto e que o capital simbólico dos palestrantes também, as discussões e dúvidas que surgiam no decorrer das apresentações eram sempre de grande valia à todos os presentes. Em algumas delas, faltou tempo para que mais esclarecimentos pudessem ser dados aos ouvintes, o que mostra quão rica eram as discussões sobre os respectivos temas.

Outro fator que destaco, é a composição dos profissionais que integram os clubes “grandes” e clubes intermediários, sobretudo nas categorias de base. Notei que muitos deles (grupo no qual me incluo também) têm título e vinculo com uma instituição de Ensino Superior. Àquele discurso sobre teoria e prática como elementos únicos (ou unificados) está, afortunadamente, sendo levado a cabo. As pesquisas na área estão crescendo, não digo somente publicações em periódicos, porque entendo que às vezes é difícil dedicar tempo a escrever artigos científicos, mas digo pesquisas que melhoram as condições de trabalho dos membros das comissões técnicas.

Há uma atitude transdisciplinar (que pode se transformar em comportamento num futuro) em direção a pesquisar para entender o que é melhor para os atletas, sendo esta, uma população especial e que requer cuidados específicos. Essa atitude me motiva a continuar em uma caminhada duradoura, na qual ato uma das mãos à Universidade – no ensino (como docente e discente) e na pesquisa – enquanto com a outra mão, uno à prática profissional do ensino/treinamento do esporte, sobretudo do futebol. Se fazem parte do meu corpo as minhas mãos, acabo por considerar parte de mim, e ter responsabilidade sobre, tudo aquilo que me cativou e que propositalmente entreguei minhas mãos para formação de um constructo (s.m. construção mental ou síntese feita a partir da combinação de vários elementos).

Por fim, destaco no 4º CBCF, a qualidade dos trabalhos científicos apresentados. Estes trabalhos poderão ser lidos em breve na Revista Brasileira de Ciências do Futebol, outro avanço que veio a somar e é fruto dessa mudança que ocorre no futebol brasileiro, em direção a aplicação das ciências dentro do futebol – pedagogia, fisiologia, fisioterapia, administração, nutrição, psicologia, entre outras áreas.

Para quem foi ao evento, a análise crítica foi a mesma da minha?

Para quem não foi, posso disponibilizar mais informações sobre.

Espero que com este texto, mais pessoas se motivem a participar desses encontros. Isso é o que eu mais quero.

Abraços e até a próxima.

Bruno N. Pasquarelli