sexta-feira, 10 de setembro de 2010

EFEITOS DE INTERVENÇÕES NO TREINAMENTO SOBRE A ECONOMIA DE CORRIDA - PARTE II

Alguns estudos têm demonstrado resultados controversos em relação ao efeito de diferentes treinamentos sobre a EC. A maioria demonstrou melhoras na EC, ou seja, redução do custo de energia durante uma corrida submáxima. Entretanto, há algumas pesquisas que não relataram efeito algum sobre a EC ou até mesmo, relataram uma diminuição da EC utilizando treinamento de intensidade moderada. Dessa forma, o treinamento de alta intensidade pode ser o mais apropriado para causar tal melhora na EC.

Em um estudo de Franch et al. (1998), corredores recreacionais treinados (VO2máx= 54,8 ± 3,0 mL/kg/min) apresentaram melhoras de 3,1% e 3% na EC após um treinamento contínuo de alta intensidade e treinamento intervalado longo de alta intensidade, respectivamente, durante um período de 6 semanas. Recentemente, Ortiz et al. (2003) verificou que a inclusão de 1 a 2 sessões semanais de treinamento intervalado de alta intensidade, durante períodos relativamente curtos de quatro semanas, são eficientes para a melhora de índices fisiológicos como VO2max, vVO2max, EC, e da performance aeróbia em corredores bem treinados (VO2máx = ~59 mL/kg/min). Utilizando um grupo de amostra diferente, formado por corredores recreacionais, Beneke & Hütler (2005) demonstraram após 8 semanas de treinamento de corrida com sessões de duração de 20-60 minutos e intensidade de 50 - 70% da freqüência cardíaca máxima acrescido de uma sessão por semana com séries de curta duração de corridas rápidas de até 300 metros, que o efeito da melhora da economia de energia na corrida foi mais significante nos períodos iniciais do treinamento (quarta e oitava semana) e na velocidade de corrida de testes que correspondia a velocidade de corrida de treinamento.

Partindo da premissa que no treinamento eficiente, deve existir um estímulo apropriado de treinamento (em termos de intensidade e volume), devendo este ser baseado na capacidade individual de cada atleta (PLATONOV, 2004), alguns autores com têm descrito programas de treinamento intervalado de alta intensidade baseados na vVO2max e no Tlim (ORTIZ et al., 2003), como os bem relatados e discutidos por Billat (2001).

Estes modelos baseiam-se no fato de que o vVO2max seria a intensidade ideal para exigir ao máximo o sistema aeróbio de produção de energia (VO2max) e mantê-lo pelo maior tempo possível. Em relação à duração (Tlim), além da individualização, este critério permitiria que o VO2max fosse atingido e sustentado neste período, o que levaria à melhora do VO2max e da vVO2max (ORTIZ et al., 2003).

Alguns estudos como de Hill, Williams e Burt (1997), entretanto, têm demonstrado que a vVO2max não é a única intensidade que permite alcançar-se o VO2max durante um exercício de intensidade constante, já que em esforços submáximos (entre o limiar anaeróbio e o VO2max) também se atinge o VO2max, em função da existência do componente lento do VO2. Esse componente foi confirmado em seu estudo, no qual se verificou que corredores se exercitando a 92% do VO2max, atingiram os mesmos valores de VO2 do que se exercitando a 100% VO2max. Bem interessante foi o fato de que o tempo necessário para atingir o VO2max foi menor a 100% VO2max, mas o tempo de manutenção do VO2max foi maior a 92% VO2max (ORTIZ et al., 2003).

Assim, intensidades submáximas (provavelmente acima de 90% VO2max), poderiam ser utilizadas no treinamento intervalado, quando o objetivo é atingir e manter o VO2max durante um determinado período de tempo em atletas de endurance. Além disso, como o tempo sustentado no VO2max é maior nestas intensidades submáximas, poder-se-ia obter um maior volume (distância percorrida) mantendo-se o VO2max, determinando uma maior sobrecarga sobre o sistema aeróbio de produção de energia.

Seguindo outro fator relacionado com a economia de corrida, Paavolainen et al. (1999) demonstraram em seus estudos que 9 semanas de treinamento de força explosiva incorporados ao treinamento de endurance melhorou em 8% a EC e em 3% o desempenho na prova de 5km, sem nenhuma alteração no VO2max de corredores de cross-country de elite (VO2máx= ~64 mL/kg/min). A sessão de treinamento de força explosiva consistia de vários sprints (5-10 x 20-100m) e saltos sem carga (saltos alternados, horizontais, com contra-movimento e pliometria) ou exercícios como leg press, extensão e flexão de joelho com cargas leves e velocidades altas de execução (30-200 contrações/sessão de treino e 5-20 repetições/série). Esses resultados indicam que o treinamento de força explosiva pode melhorar a economia de corrida e o desempenho como conseqüência da melhora da função neuromuscular.

Em um estudo semelhante, Turner, Owings e Shwane (2003) relatou melhoras de 2-3% na economia de corrida na média de três velocidades de corrida, após 6 semanas de treinamento pliométrico em corredores moderadamente treinados (VO2máx= ~54 mL/kg/min), sem nenhuma alteração no VO2max e valores de testes de saltos. Os 21 sujeitos participantes do estudo mantiveram seus treinamentos regulares, porém o grupo experimental incluiu uma sessão de 10 a 15 minutos de execução de exercícios pliométricos realizado três vezes por semana. Os valores de saltos máximos não se alteraram possivelmente pelo treinamento pliométrico não ter sido extremamente intenso, mas auxiliando na melhora da economia de corrida (TURNER; OWINGS; SCHWANE, 2003).

O treinamento pliométrico desenvolve a habilidade do músculo em gerar força por meio do Ciclo Alongamento Encurtamento, utilizando atividades como saltos e saltitos. Esse tipo de treinamento também aumenta a rigidez do sistema músculo-tendíneo, o qual permite que a energia elástica seja armazenada e utilizada mais eficazmente. Ambas as adaptações do treinamento pliométrico podem aumentar a economia de corrida por meio do aumento da força no músculo sem um aumento proporcional na demanda energética.

Dessa forma, aprimorando os elementos mecânicos da corrida como o tamanho e freqüência da passada ou a utilização mais eficaz da energia elástica armazenada no músculo pode ocasionar em melhoras na economia de corrida (SAUNDERS et al., 2004a), o que é extremamente importante, uma vez que foi evidenciado que a força de reação ao solo e a taxa de produção de força aumenta de acordo com o aumento da velocidade de corrida (KYRÖLÄINEN; BELLI; KOMI, 2000), favorecendo o aparecimento de maior fadiga em atletas que não possuem resistência de força e não são econômicos. A influência da mecânica e estilo de corrida sobre a EC foi bem elucidada em recente estudo de Tsech, Caputo e Morgan (2008) que analisaram a influência de estilos (marcha) de corrida em corredoras fundistas (VO2pico= 54,9 ± 4,1 mL/kg/min) e verificou que para uma mesma velocidade diferentes manipulações como correr normalmente, correr com a mãos colocadas nas costas (região sacral), correr com as mãos colocadas na testa e correr tocando com a testa em objetos a frente, existem diferentes valores de consumo de oxigênio.

Ao analisar os fatores biomecânicos que afetam a EC, Kyröläinen, Belli e Komi (2000) relataram a presença de co-ativação dos músculos da articulação do joelho e tornozelo aumentando assim sua rigidez do sistema músculo-articular, o que parece estar relacionado a uma melhor economia de corrida. Essa rigidez proporcionou a hipótese que estruturas músculo-articulares flexíveis pudessem diminuir de certa forma a EC por não proporcionar uma otimização do armazenamento e retorno de energia elástica durante a corrida (SAUNDERS et al, 2004a). No entanto, o estudo de Nelson et al. (2001), que compreendeu a participação de 32 (16 homens e 16 mulheres) estudantes universitários, acrescentou sessão de alongamento de aproximadamente 40 minutos com realização três vezes por semana, durante 10 semanas em um grupo experimental. As sessões consistiam em 15 posições de alongamentos estáticos, sendo cada uma composta de três séries de 15 segundos de permanência de alongamento muscular com 15 segundos de intervalos entre as séries. Estes autores identificaram ganhos de 9% nos valores do teste sentar-e-alcançar no grupo submetido ao programa de alongamento, enquanto que os valores do grupo controle se mantiveram inalterados. Os valores de VO2pico e VO2 obtido durante o teste de economia de corrida não foram alterados durante as 10 semanas.

Saunders et al. (2004a) sugere que corredores não devem abandonar o alongamento nos programas de treinamento, uma vez que certa flexibilidade é requerida para a ótima realização de comprimento de passada em altas velocidades de corrida. A flexibilidade é considerada uma capacidade física importante e sua redução tem sido relacionada com diminuição de aspectos da performance de atletas e promovido o aumento de incidência de lesões musculares, articulares e ligamentares (PLATONOV, 2004).

Referências bibliográficas:

BENEKE, R.; HÜTLER, M. The effect on running economy and performance in recreational athletes. Medicine & Science in Sports & Exercise. v. 37, n.10, p. 1794-1799, 2005.
BILLAT, L. V. Interval Training for performance: a scientific and empirical pratice. Sports Medicine. v. 31, n.1, p. 13-31, 2001.
FRANCH, J.; MADSEN, K.; DJURHUUS, M. S.; PEDERSEN, P. Improved running economy following intensified training correlates with reduced ventilatory demands. Medicine & Science in Sports & Exercise. v. 30, n. 8, p. 1250-1256, 1998.
HILL, D.W., WILLIAMS, C.S., BURT, S.E. Responses to exercise at 92% and 100% of the velocity associated with VO2max. Int J Sports Med. v. 18. p. 325-329, 1997.
KYRÖLÄINEN, H.; BELLI, A.; KOMI, P. V. Biomechanical factors affecting running economy. Medicine and Science in Sports & Exercise. v. 33, n. 8, p.1330-1337, 2001.
NELSON, A.G. et al. Chronic stretching and running economy. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 11, p. 260-265, 2001.
ORTIZ, M.J.; STELLA, S.; MELLO, M.T.; DENADAI, B.S. Efeitos do treinamento aeróbio de alta intensidade sobre a economia de corrida em corredores de endurance. Revista Brasileira de Ciência e Movimento. v. 11, n. 3, p. 53-56, jul-set. 2003.
PAAVOLAINEN, L. et al. Explosive-strength training improves 5-km running time by improving running economy and muscle power. Journal of Applied Physiology. v. 86, n. 5, p. 1527-1533, 1999.
PLATONOV, V. N. Teoria geral do treinamento desportivo olímpico. Porto Alegre: Artmed, 2004. 638 p.
SAUNDERS, P. U. et al. Factors Affecting Running Economy in Trained Distance Runners. Sports Medicine. v. 34, n. 7, p. 465-485, 2004.
TURNER, A. M.; OWINGS, M.; SHWANE, J. A. Improvement in running economy after 6 weeks of plyometric training. Journal of Strength Conditioning Research. v.17, p.60-67, 2003.
TSECH, W.; CAPUTO, J. L.; MORGAN, D. W. Influence of gait manipulation on running economy in female distance runners. Journal of Sports Science and Medicine. v. 7, p. 91-95, 2008.

2 comentários:

Anônimo disse...

Belo post! da mesma forma que o primeiro muito completo com referencias muito interessantes parabéns! Uma contribuição valorosa para atletas, técnicos e apaixonados pela corrida, Obrigado.

Unknown disse...

Olá Filipe. Achei o artigo muito bom. Tenho um site (www.infortreino.com) de conteúdos de formação desportiva e gostaria de disponibilizar este artigo em pdf. 1º Posso disponibilizar no meu site? 2º se sim, pode enviar-me o artigo?

Cumprimentos de,
António Graça
mantoniograca@gmail.com