sábado, 5 de abril de 2014

Balanço do V Congresso de Ciência do Desporto



Nos últimos dias, mais precisamente 2, 3 e 4 de abril de 2014, aconteceu na Universidade Estadual de Campinas o V Congresso de Ciência do Desporto. Com o olhar atento ao evento e as peculiaridades nele presentes, compartilho a experiência e emito minha opinião nesse canal de comunicação, sem a pretensão, é claro, de deter da verdade. Considerem como um ponto de vista.

O Evento: Congresso pequeno em número de participantes. Sem oficialidade dos dados, me disseram que não passou de 400 pessoas. Número pequeno comparado a outros Congressos da área, nacionais se internacionais. No entanto, o evento estava bem organizado, os temas das palestras e mesas redondas estavam muito pertinentes à proposta do Congresso. Temas como uso de tecnologias para análise biomecânica no esporte, pedagogia do esporte, fisiologia do esporte e do exercício, violência no esporte, sociologia do esporte, psicologia do esporte, etc. Não havia como não se interessar por pelo menos dois ou três temas. Ademais, percebeu-se que os palestrantes, em sua maioria, trouxeram o que tinham de melhor em suas apresentações.

Trabalhos Científicos: Fiquei contente com a qualidade dos trabalhos científicos. Tanto os trabalhos apresentados como pôster, quanto os trabalhos de apresentação oral tinham seu valor. Embora sabemos que o espaço para comunicação é restrito e muitos dos trabalhos eram apenas parte de estudos maiores e mais detalhados, foi um passo adiante, pois frequento eventos científicos desde meu primeiro ano de graduação (2004), e percebia que a maioria desse eventos aceitavam trabalhos pouco relevantes, sem problemas de pesquisa definidos, com falha na análise estatística. Isso sempre me incomodou muito. E não posso negar que participei de trabalhos pouco relevantes como pesquisador iniciante (que, aliás, ainda sou!).
A Pesquisa: É impressionante como a pesquisa avança. A pesquisa, mas não necessariamente o conhecimento, e menos ainda as intervenções didático-pedagógicas no esporte. A medida que a tecnologia nos permite investigar variáveis em diferentes óticas, desde microscópica, como nos casos de estudos que envolvem genética, ou em esferas macroscópicas, como nos casos de estudos que analisam padrões táticos de equipes de esportes coletivos, permitindo um entendimento do sistema, do todo complexo. No V Congresso de Ciência do Desporto, me familiarizei com diferentes procedimentos, técnicas, termos, análises, etc.

Destaques: Embora não sejam áreas que domino e que concentro meus estudos, coloco como destaques as pesquisas e os pesquisadores da área da sociologia do esporte e da educação física e esportes adaptados. Enxerguei nos temas possibilidades. Na sociologia, possibilidades de um entendimento do nosso papel social e transformação do contexto esportivo educacional. Na EF e esportes adaptados, a palavra possibilidade entra para substituir a palavra limitação, que abrange amplo aspecto, e que não vou discorrer aqui, pois mereceria um texto só para falar disso.

O Pesquisador e a Ciência: Não quero nesse meu comentário cometer o erro de generalizar e atribuir “rótulos” à todos os pesquisadores. Mas o fato é que também não aguento ficar calado para certos comportamentos da comunidade científica. E o que mais me incomoda e me faz pensar se quero mesmo seguir nessa área é o fato recorrente, desde quando me reconheço como pesquisador (em formação, como dito anteriormente), de os estudos se findarem na complexidade metodológica e não na contribuição ao profissional que atua na intervenção prática. A partir de agora minha crítica não tem a ver com a organização do Congresso e sim pela maneira como alguns pesquisadores encaram a pesquisa.
Esse tema, por me incomodar, merece um pouco mais de abertura e encontrei aqui uma forma de manifestar e sugerir, já que a crítica por si só torna-se vazia. Os pesquisadores, ao apresentarem seus trabalhos e concluirem seus estudos focam em mostrar que: “meu estudo fez algo diferente dos demais”; ou “meu trabalho tem valia pois foi um dos poucos a utilizarem tal equipamento para medir/testar/avaliar tal variável”; ou ainda “meu estudo é metodologicamente impecável”. E isso não me incomodaria, pois considero como essenciais nos estudos científicos tais características citadas acima, não fosse o fato que pouquíssimos estudos no Congresso foram concluídos com base em inferencias sobre aplicações práticas. Me deixou perplexo que, ao concluir uma apresentação do estudo, alguns autores em nenhum momento citem frases como: “portanto, a partir dos resultados apresentados podemos treinar de tal forma”; ou “de acordo com os resultados, o treinador/preparador físico/professor pode prescrever seus treinos com base nesse ou naquele achado”. Não faz sentido pesquisadores na área da Ciência do Desporto não conseguirem com seus próprios estudos encontrarem uma solução, que seja algo mínimo, mas que modifique o treinamento do atleta em busca de melhor redimento esportivo. Ao contrário disso, percebi que dezenas de questionamentos que surgiam naquele curto tempo após as apresentações, os ouvintes e o autor começavam a  discutir possíveis estudos futuros, desenhos metodológicos que seriam também aceitos para publicação, em vez de meios para melhorar o treinamento, o que justificaria, na minha opinião, que o trabalho fosse apresentado no congresso.
Alguns vão discordar de mim com o seguinte argumento: “primeiro é necessário que os conceitos sejam bem estabelecidos na literatura científica para depois começarmos a estabelecer procedimentos para atuação prática. E isso pode durar de 4 a 10 anos”. No entanto, o que percebo é que essa hora nunca chega. E por quê? Porque há pesquisadores que querem mesmo é publicar. E ponto!!! Mais uma vez, podem não concordar comigo, mas vi vários temas surgindo e pesquisadores ansiosamente apavorados para “pegarem carona nessa onda”, para serem também contribuintes da ciência. Ai quando cessa o interesse por determinado tema, muitas vezes porque os resultados já estão bem estabelecidos na literatura, seria hora certa daquelas informações acumuladas tornarem acessíveis à profissionais que consideramos “da prática”. Mas antes disso os pesquisadores mudam o foco de sua pesquisa em seus laboratórios: uma hora estudo efeito da suplementação, na outra os sprints repetidos em modalidades intermitentes, na outra hora estudo aspectos tático-técnicos em modalidades coletivas, na outra estudo efeito da isquemia no rendimento em diferentes tarefas… e por ai vai. Se sai algum paper novo eu quero começar a pesquisar para não ficar para trás. E isso por quê? Porque o pesquisador quer publicar, porque os órgãos de fomento exigem, porque é indicativo determinante de status social no meio acadêmico e pesquisadores, em sua maioria, são egocêntricos, etc. Dessa forma, estamos escrevendo para quem ler? E quem vai aplicar o conhecimento que foi produzido (isso se alguém ler)? Façamos essa reflexão, por favor. "Ei pesquisador, você não é mais importante que o sujeito que está ministrando suas aulas nos campos, quadras, pistas, etc., nem menos importante, diga-se de passagem". Como treinador, professor universitário, pesquisador (iniciante), preciso entender essas questões e quero modificar esse quadro. O rumo das pesquisas está correto, estamos evoluindo, o que não está certo é o que fazemos com essas pesquisas. O fato que ilustra muito bem o que descrevi acima foi quando, ao parabenizar um pesquisador pelo seu excelente trabalho, sugeri que testássemos com uma equipe de futebol na qual tenho acesso. Disse a ele que o treinador aceitaria o desafio e que poderíamos acompanhar por meses tal equipe. Mas o pesquisador me disse que estavam ocupados com outras pesquisas, outras variáveis a serem estudadas e me falou algo mais que não ouvi tamanha decepção que senti naquele momento. Percebi que tem muitos pesquisadores que não querem sair do laboratório, que não se interessam em resolver os problemas do treinador, que não aguentariam coletar dados por meses em uma equipe, debaixo de chuva e sol. Eles estão preocupados em publicar, JCR das revistas, índice H, qualis dos periódicos. Mas esses mesmos pesquisadores adoram inferir, supor, deduzir, teorizar sobre o que o "cara da prática" deveria fazer.

As vezes tenho que concordar com a frase triste e cômica do livro de Thomas, Nelson e Silverman (2012): “Artigos científicos não foram feito para serem lidos e sim publicados”.

Encerro citando outra vez que não quero criar rótulos e generalizar. Só não quero deixar que a área da pesquisa se contamine por certos comportamentos de acadêmicos com potencial brilhante, mas alienados dentro de de suas conchas, produzindo pérolas e achando que elas são mais grandiosas do que o oceano todo. A pérola só tem seu valor quando está fora da concha e está acessível ao olhar de quem quer admirá-la. Mas por mais bonita que seja, ela não é mais bela que os outros elementos que convivem no mesmo ecossistema, os quais ela depende também para sobreviver.


Concordam comigo? Discordam? Querem me colocar na listinha de “inimigos acadêmicos” a partir de agora? rsrs

Um comentário:

Vinicius Concistre disse...

Bruno, Boa Noite! Sou estudante de Educação Física, prestes a me formar e com sonho e objetivo de atuar na área da preparação física no futebol.
Estou sempre a procura de novas informações e conhecimentos, possibilidades e visões diferentes. Gostaria apenas de parabenizá-lo e dizer que faz muito sentido o que você disse e posso afirmar que tinha uma visão "acrítica" em relação a este tema que você abordou. Quero apenas agradecer por agregar um pouco mais de "maturidade" na área e dizer que faz muito sentido o que disse, após ler este texto, me fez prestar atenção as pesquisas que já li e em relação a diversas areas da saúde e nunca vi em prática, que acredito que seria o apogeu da pesquisa, a concretização prática. Acredito que muitas vezes por falta de experiência minha, algumas coisas talvez tenha interpretado errado e já tenham sido comprovado na execução. Mas de maneira geral, faz MUITO sentido o que você disse e mais uma vez, obrigado pelo conhecimento transmitido.

Abraços!