segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Relato de Caso: a herança de jogo e o resultado



Ao término da 2ª Fase do Campeonato Paulista de Futebol 2011, das categorias sub 11 e sub 13, passei o dia pensando, analisando, (re)avaliando e exercendo uma crítica sobre o desempenho das equipes no campeonato destacado acima. Função na qual acredito competir justamente a minha pessoa, coordenador técnico-pedagógico.

Tenho consciência que o olhar crítico em si está fortemente influenciado pelo grau de conhecimento de causa. Sendo assim, pedir para um economista, com muito conhecimento e experiência, para explanar sobre a situação do cenário econômico, certamente será diferente da visão de um jovem recém formado no curso de economia.

Dessa forma, me coloco no direito de pensar, analisar, (re)avaliar e criticar o trabalho desenvolvido na equipe que trabalho, considerando as (minhas) limitações de conhecimento de causa.

Para começar, acho importante citar que essa análise pode estar influenciada também pela linha de estudo que tenho me dedicado a ler recentemente, mais voltada à pedagogia, aos estudos dos métodos de ensino/treinamento no futebol, ao desenvolvimento humano e todas as áreas que apóiam tais áreas do conhecimento.

Enfim, vamos analisar em dados objetivos o desempenho das equipes:

Categoria Sub 11

1 empate

- sem gols

5 derrotas

- três por um gol de diferença

- duas por dois gols de diferença

Categoria Sub 13

1 vitória

- por um gol de diferença

5 derrotas

- duas por um gol de diferença

- duas por dois gols de diferença

- uma por três gols de diferença


Analisando pelos resultados, acredito que todos concordam que o desempenho foi ruim.

Pois é... Porém, afirmo que o desempenho foi muito bom, que estamos no caminho certo e que melhoramos muito em relação à primeira fase do campeonato.

“Como assim?” – devem estar pensando.

Acredito que o desempenho deve ser analisado com outros “óculos”, sob um olhar mais contextual do que objetivo, como mostram os resultados.

Primeiro, em relação aos treinamentos, conseguimos implantar um modelo de treinamento voltado à utilização treinos por meio de jogos, seja qual for a ênfase da sessão: tática, técnica, física ou psicológica. E é claro, quando trabalha-se dessa maneira, não conseguimos dividi-las em nenhuma sessão de treino.

Através de um grupo de estudo criado há alguns meses atrás, conseguimos nortear um Modelo de Jogo (que ainda está em processo de construção) para as equipes do São José E.C. Nele (grupo de estudos) definimos (ou estamos definindo) as plataformas de jogo utilizadas pelas equipes, os conteúdos táticos e técnicos que devem ser ensinados em cada categoria, os conteúdos e meios de estímulos físicos trabalhados em cada categoria, assim como temas relacionados às questões administrativas, comportamentais, de maturação biológica, saúde dos atletas, etc.

Nesse sentido, os atletas das categorias sub 11 e sub 13 reconheceram um padrão de jogo da equipe, em relação à função que exercem no jogo e que cada um dos companheiros exercem. A distribuição posicional e funcional dentro de campo melhorou muito em virtude desse reconhecimento do padrão de jogo.

O próprio modelo de treino, com situações que estimulam os atletas a sempre trabalharem com trocas rápidas de passe, com a “bola no chão”, desde o goleiro até o atacante foi refletido no jogo. Incessantemente, percebi os treinadores das respectivas categorias instruírem os atletas a evitarem a “dar chutões” , trabalhando sempre com progressão apoiada ao campo de ataque. Isso, positivamente, refletiu em inúmeras situações de gols. E, negativamente, nos fez tomar gols, nas duas categorias. Mas faz parte do processo. Para os atletas, as dificuldades vão diminuindo à medida que eles vão repetindo essas ações, encarando aquilo como essencial para o “jogar” da equipe e criando um fundo emocional mais seguro para realizar essas ações mais complexas do que “dar chutões”.

Lendo um texto publicado no portal “Pedagogia do Futsal”, pelo Prof. Dr. Wilton Santana, o autor destaca o desenvolvimento da herança de jogo. Essa herança de jogo seria o constructo dos conteúdos tático-técnicos ao longo do processo de formação nas categorias de base. No meu entendimento, a herança de jogo é nada mais do que o domínio, por parte dos atletas, das competências tático-técnicas referentes ao modelo de jogo. Ou seja, atletas com maior herança de jogo devem estar mais preparados para antecipar, agir e reagir às situações-problema encontradas no jogo. Principalmente, antecipando e agindo, ao invés de somente reagir às ações adversárias.

Mas, já que falamos em resultados objetivos, foi observado que, quatro a cinco, dos onze titulares da equipe da categoria sub 13 estavam ainda no primeiro ano da categoria, ou seja, pode refletir em um desenvolvimento biológico relativamente atrasado com relação aos garotos no segundo ano da categoria. Além disso, detectamos, mediante aplicação de ferramentas científicas, que outros três atletas estavam com um estado de maturidade atrasado em relação aos garotos da mesma idade.

Claro que estar biologicamente atrasado não foi a justificativa para o mau resultado nas partidas, mas pode ajudar muito na construção dos treinamentos, visto que o desenvolvimento das capacidades biomotoras e aumento em estatura, massa corporal total e massa muscular está diretamente relacionado ao processo de maturação. Portanto, não criamos expectativas em formar atletas mais fortes, mais ágeis, mais rápidos e mais resistentes, com estímulos de treinamentos que podem ser inadequados ao processo de desenvolvimento do grupo de atletas. Mas podemos sim, ter o compromisso de acelerar o processo de treinamento em busca de atletas que saibam criar soluções rápidas para problemas de jogo, para que não tenham, sobretudo, que depender de seu rendimento físico (biomotor) para cumprir as tarefas do jogo.

Diante disso, com um olhar de formação prospectiva, posso sim afirmar que o desempenho das equipes do Sub 11 e Sub 13 foi muito bom. Pois os atletas puderam avançar uma etapa de sua formação como jogadores de futebol, com uma herança de jogo suficiente para buscar um nível de jogo mais avançado, um jogar superior.

Para terminar, destaco alguns pontos para reflexão, parte deles citados no texto do Prof. Dr. Wilton Santana:

  • Se falta para o treinador o conhecimento dos conteúdos tático-técnico, do processo de desenvolvimento e dos métodos de ensino, faltará também para o jogador. Portanto, a formação continuada é extremamente importante para os profissionais que trabalham com a formação de atletas;
  • Os treinos, nas categorias de base, devem se destinar, exclusivamente, a preparar a equipe para vencer o jogo do fim de semana?
  • Devemos investir no resultado, independente do nível de jogo da equipe?
  • Dominar o modelo de jogo e o título de campeão: quais desses aspectos fazem parte da herança de jogo do jogador?
  • Os treinos que você oferece aos seus atletas permitem criar uma herança de jogo que dê base para o aprendizado cada vez mais complexo dos conteúdos tático-técnicos, relativos ao modelo de jogo?

Alguém, além de mim, acredita que o desempenho das nossas equipes foi satisfatório?

Esteja aberta a discussão...


Agradeço ao diretor do portal http://pedagogiadofutsal.com.br/ . Obrigado por compartilhar conhecimentos que fazem de nossa prática mais pedagógica, humana e consciente.

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