Bruno Natale Pasquarelli, Lucas Villela, Bruno Zanon
Comelli, Victor Souza, Bruno Baquete *
Os jogos reduzidos (JR) são amplamente
utilizados no futebol e tem sido evidenciado na literatura como um meio
específico e eficiente para a melhora do condicionamento aeróbio de
futebolistas(1). Em dois recentes estudos de revisão, Pasquarelli et al.(2) e Hill-Haas et al.(3), mostraram de forma consensual que os JR são capazes de
proporcionar uma alta sobrecarga física aos atletas, bem como gerar adaptações
positivas no condicionamento em resposta à este tipo de treino. Além do mais,
mostraram boa reprodutibilidade e, portanto, são consistentes na elaboração um
programa de treinamento de médio e longo prazo(4-6).
Durante a última década, cresceu o número de
estudos que buscaram investigar respostas fisiológicas, metabólicas, perceptuais
e tático-técnicas dos JR. Tais estudos, principalmente os relacionados à
fisiologia, mostraram que manipulando algumas variáveis quanto à dimensão do
campo(7, 8),
número de jogadores(5, 7), regras do jogo(9), presença ou não de goleiros(10, 11), incentivo verbal(7), variações no número de repetições e na razão
esforço/recuperação(7, 12) podem gerar diferentes respostas no organismo do
futebolista e, conseqüentemente, causar adaptações em magnitudes diferentes.
Assim sendo, este texto tem como objetivo
comentar, resumidamente, a interferência das variáveis relacionadas ao formato
dos JR na intensidade dos mesmos, com base nos estudos encontrados na
literatura científica da área até apresente data.
Número de Jogadores
Os estudos apontam(7, 13-19) que os formatos de JR
com menor número de jogadores, de dois a seis por equipe, podem gerar estímulos
de mais alta intensidade [aproximadamente 85% da freqüência cardíaca máxima (FCmáx)],
comparado à formatos com número de jogadores superior a sete (<80% FCmáx).
Fato esse que deve ser levado em consideração na prescrição do treinamento aeróbio
específico utilizando os JR.
Poucos estudos, até o momento, investigaram situações
de diferença numérica nos JR. No estudo de Hill-Haas et al.(13), utilizando formatos de 3 vs. 4 e 5 vs. 6, não foram
encontradas diferenças na %FCmáx. No
entanto, as respostas perceptuais de carga interna de treinamento foram maiores
no grupo com inferioridade numérica (PSE, grupo com inferioridade: 15,8; PSE,
grupo com superioridade: 14,7). No estudo de Rampinini et al.(6), a intensidade dos JR em um formato 4 vs. 2 foi de 79% FCmáx, entretanto, não foi mencionado no
estudo a intensidade de cada uma das equipes. No estudo de Pasquarelli (dados
não publicados) foi investigada a intensidade de JR com formatos de 3 vs. 4, 4
vs. 5 e 5 vs. 6. Foi verificado que os valores médios de %FCmáx, %FCreserva
e sobretudo da PSE, foi maior no grupo que treinou em inferioridade numérica.
Dimensão do Campo
As respostas fisiológicas, perceptuais,
técnicas e de padrão de movimentos obtidas quando manipula-se a dimensão do
campo parecem não estarem totalmente claras na literatura. No entanto, os
estudos apontam em direção a uma maior intensidade (fisiológica e perceptual) e
maior distância percorrida (total, relativa, em moderada e alta intensidade),
maior número de sprints e relação esforço/pausa nos JR à medida que aumenta-se
as dimensões do campo. Com relação aos aspectos técnicos, formatos com
dimensões menores de campo podem proporcionar mais ações de controle, dribles e
chutes, porém maior número de interceptações e de reposição de bolas é
encontrado, o que diminui o tempo efetivo de jogo. No entanto, cabe salientar
que, na maioria dos estudos encontrados, só foram detectadas diferenças nos
aspectos fisiológicos, perceptuais e técnicos quando a variação da área (total
e relativa) de um campo para outro foi maior do que 40%, o que deve ser levado
em consideração na prescrição dos JR.
Presença de Goleiros
Outra forma de variação dos JR é com a
presença ou não de goleiros. Dessa forma, os jogos podem ser realizados somente
com jogadores de linha, com o objetivo de manutenção da posse de bola(20). Pode-se colocar mini
gols, onde o objetivo passa a ser realizar o maior número de gols. E por fim,
pode-se ter a presença de goleiros defendendo uma meta, como nos jogos
oficiais.
Os resultados apontam em direção a uma maior
intensidade nos JR quando há presença de goleiros. Entretanto, os jogos
utilizando manutenção da posse de bola ou mini gols também são referendados
como sendo de intensidade satisfatória para que haja melhora do condicionamento
aeróbio.
Duração e Modo de
Exercício
Os estudos evidenciam que os JR causam
estímulos de alta intensidade no sistema cardiorrespiratório. Entretanto, é
conveniente considerar o volume total de exercício realizado nos jogos com
campo reduzido. A maioria dos estudos utilizou os JR de maneira intervalada, ou
seja, jogos divididos em mais de uma série, com tempo de recuperação, ativa ou
passiva, semelhante ao tempo de jogo. Contudo, foi verificado em outros estudos
que JR com somente uma série e tempo de exercício mais prolongado, a
intensidade foi alta (>80% FCmáx), próxima às obtidas nos
formatos mais tradicionais, intervalados(13, 19, 21, 22).
De forma geral, modulando a duração e modo de
exercícios pode-se obter estímulos capazes de melhorar o condicionamento
aeróbio específico, apesar de recentes achados mostrarem não haver efeito da
duração dos JR na intensidade do exercício(12). Foi verificado que, à medida que aumenta-se o número de
séries, a percepção subjetiva de esforço aumenta e a eficiência de ações
técnicas diminuem, fator esse que pode ser explicado pela fadiga(12). Uma vantagem de utilizar jogos com duração maior é que
os atletas têm maior contato com ações técnicas. Em contrapartida, quando o
exercício tem curta duração, as ações de corrida em alta intensidade e sprints
aumentam, gerando uma contribuição maior do sistema anaeróbio, aumentando a
adaptação específica a esses esforços e melhorando o desempenho competitivo.
Incentivo Verbal
Os JR são por si só mais motivantes para os
jogadores do que os treinamento aeróbio gerais, de corrida contínua ou
intervalada. No entanto, a intensidade do exercício não pode ser controlada
simultaneamente pelo treinador, visto que as ações durante o jogo são
imprevisíveis e depende, sobretudo, da participação voluntária dos atletas em
ações com elevado gasto energético: como sprints, corridas em alta intensidade,
saltos, divididas. Dessa maneira, uma forma de aumentar a intensidade dos JR é
dando aos atletas incentivos e orientações verbais sobre suas ações no jogo.
Segundo os achados do estudo de Rampinini et
al.(7), a participação ativa do treinador, incentivando
verbalmente e instruindo os atletas, pode fazer com que os atletas realizem
esforços com intensidade mais alta. Ademais, essas informações podem servir
para melhorar a inteligência tática dos atletas, no posicionamento dentro de
campo e autonomia em situações-problema que acontecem no jogo, podendo refletir
em uma melhor unidade tática coletiva da equipe.
Outras Regras
Diversas variações de JR são possíveis
manipulando algumas variáveis. Dentre as variáveis que podem ser utilizadas nos
JR, pode-se salientar a reposição de bola rapidamente(7, 12, 13, 21, 23, 24), marcação sobre pressão da equipe defensora(5, 11) e limitar o número de toques na bola(12, 24), etc.
De acordo com os achados de Hill-Haas et al.(13), regras relacionadas ao número de passes, ocupação
específica de zonas no campo para contar pontos, utilização de jogadores de
apoio em volta do campo, etc., podem modificar algumas condições de jogo e,
conseqüentemente, aumentar as sobrecargas de treinamento, seja na intensidade
do exercício quanto no padrão de movimento realizado.
Princípios e
Subprincípios Táticos
Vem sendo discutido que os princípios táticos
devem subsidiar a elaboração dos JR(25, 26). Os estudiosos do assunto ressaltam que a elaboração do
jogo deve ser pautada antes de tudo no modelo de jogo pensado pelo treinador,
juntamente com características dos jogadores, que competem à qualidade física e
técnica dos mesmos(26).
Os estudos até o momento, quase que em sua
totalidade, investigaram a intensidade de JR com formatos tradicionais, de 1
vs. 1, 2 vs. 2, 3 vs. 3, etc. com utilização de mini gols, goleiros ou somente
jogos para manutenção da posse de bola(2, 3).
Diante disso, os primeiros estudos já
avançaram nesse sentido, mostrando que jogos que trabalham transições, ofensiva(27, 28) e defensiva(28), e pressing(27); são característicos de esforços em alta intensidade
(sprints e corridas em velocidade alta) e pausas breves (recuperação
incompleta).
Os JR tornam-se uma excelente opção para os
treinos, porque, além de aumentar o número de ações exigidas dos atletas,
também pode aumentar o nível de intensidade destas ações, ou seja, conforme o
JR escolhido, o atleta tem de antecipar mais rapidamente, tomar decisão mais
rapidamente, executar mais rapidamente, criar linhas de passe mais rapidamente,
ocupar o espaço mais rapidamente, etc(29).
Considerações Finais
Haja vista às evidências levantadas na
literatura específica do futebol, doravante, os JR devem ser utilizados como
meio efetivo de treinamento do condicionamento aeróbio. O entendimento de que
algumas variáveis influenciam a intensidade do JR é importante para a escolha
do exercício de treino, ajudando no planejamento de todo o processo. É importante salientar que os objetivos da
utilização de JR não se findam somente em aprimorar ou manter o desempenho das
capacidades biomotoras, mais que isso, leva a cabo todos os aspectos que o jogo
de futebol demanda (o físico, a técnica, a tática, o psicológico...). Por essa
razão, é tido como um meio ótimo de ensino/treinamento do futebol, desde níveis
iniciais de aprendizagem até o aprimoramento de aspectos físicos, táticos e
técnicos em níveis de excelência.
Referências Bibliográficas
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jogos com campo reduzido no futebol. Revista Brasileria de Futebol.
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Impellizzeri FM, Coutts AJ. Physiology
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30. Bangsbo
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*Bruno Pasquarelli é coordenador técnico e fisiologista das categorias
de base do São José Esporte Clube. Especialista em Treinamento Desportivo pela
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestre em Fisiologia do Exercício
pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
*Lucas Villela é
treinador da categoria sub 15 da Junior Team Futebol, Londrina-PR. Graduado em
Esporte pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Cursa Especialização em
Futebol e Futsal pela Universidade Gama Filho (UGF).
*Bruno Comelli é analista de desempenho do profissional no Clube de Regatas do Brasil, CRB-AL. Graduado em Esporte pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
*Victor Souza é
Preparador Físico de Futebol. Especialista
em Treinamento Desportivo pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
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