domingo, 4 de dezembro de 2011

Variáveis que Interferem na Intensidade dos Jogos Reduzidos no Futebol

Texto publicado no Portal Universidade do Futebol. Link: http://www.universidadedofutebol.com.br/Artigos/2011/10/1,15133,VARIAVEIS+QUE+INTERFEREM+NA+INTENSIDADE+DOS+JOGOS+REDUZIDOS+NO+FUTEBOL.aspx?p=1


Bruno Natale Pasquarelli, Lucas Villela, Bruno Zanon Comelli, Victor Souza, Bruno Baquete *


Os jogos reduzidos (JR) são amplamente utilizados no futebol e tem sido evidenciado na literatura como um meio específico e eficiente para a melhora do condicionamento aeróbio de futebolistas(1). Em dois recentes estudos de revisão, Pasquarelli et al.(2) e Hill-Haas et al.(3), mostraram de forma consensual que os JR são capazes de proporcionar uma alta sobrecarga física aos atletas, bem como gerar adaptações positivas no condicionamento em resposta à este tipo de treino. Além do mais, mostraram boa reprodutibilidade e, portanto, são consistentes na elaboração um programa de treinamento de médio e longo prazo(4-6).
Durante a última década, cresceu o número de estudos que buscaram investigar respostas fisiológicas, metabólicas, perceptuais e tático-técnicas dos JR. Tais estudos, principalmente os relacionados à fisiologia, mostraram que manipulando algumas variáveis quanto à dimensão do campo(7, 8), número de jogadores(5, 7), regras do jogo(9), presença ou não de goleiros(10, 11), incentivo verbal(7), variações no número de repetições e na razão esforço/recuperação(7, 12) podem gerar diferentes respostas no organismo do futebolista e, conseqüentemente, causar adaptações em magnitudes diferentes.
Assim sendo, este texto tem como objetivo comentar, resumidamente, a interferência das variáveis relacionadas ao formato dos JR na intensidade dos mesmos, com base nos estudos encontrados na literatura científica da área até apresente data.

Número de Jogadores
Os estudos apontam(7, 13-19) que os formatos de JR com menor número de jogadores, de dois a seis por equipe, podem gerar estímulos de mais alta intensidade [aproximadamente 85% da freqüência cardíaca máxima (FCmáx)], comparado à formatos com número de jogadores superior a sete (<80% FCmáx). Fato esse que deve ser levado em consideração na prescrição do treinamento aeróbio específico utilizando os JR.
Poucos estudos, até o momento, investigaram situações de diferença numérica nos JR. No estudo de Hill-Haas et al.(13), utilizando formatos de 3 vs. 4 e 5 vs. 6, não foram encontradas diferenças na %FCmáx. No entanto, as respostas perceptuais de carga interna de treinamento foram maiores no grupo com inferioridade numérica (PSE, grupo com inferioridade: 15,8; PSE, grupo com superioridade: 14,7). No estudo de Rampinini et al.(6), a intensidade dos JR em um formato 4 vs. 2 foi de 79% FCmáx, entretanto, não foi mencionado no estudo a intensidade de cada uma das equipes. No estudo de Pasquarelli (dados não publicados) foi investigada a intensidade de JR com formatos de 3 vs. 4, 4 vs. 5 e 5 vs. 6. Foi verificado que os valores médios de %FCmáx, %FCreserva e sobretudo da PSE, foi maior no grupo que treinou em inferioridade numérica.

Dimensão do Campo
As respostas fisiológicas, perceptuais, técnicas e de padrão de movimentos obtidas quando manipula-se a dimensão do campo parecem não estarem totalmente claras na literatura. No entanto, os estudos apontam em direção a uma maior intensidade (fisiológica e perceptual) e maior distância percorrida (total, relativa, em moderada e alta intensidade), maior número de sprints e relação esforço/pausa nos JR à medida que aumenta-se as dimensões do campo. Com relação aos aspectos técnicos, formatos com dimensões menores de campo podem proporcionar mais ações de controle, dribles e chutes, porém maior número de interceptações e de reposição de bolas é encontrado, o que diminui o tempo efetivo de jogo. No entanto, cabe salientar que, na maioria dos estudos encontrados, só foram detectadas diferenças nos aspectos fisiológicos, perceptuais e técnicos quando a variação da área (total e relativa) de um campo para outro foi maior do que 40%, o que deve ser levado em consideração na prescrição dos JR.

Presença de Goleiros
Outra forma de variação dos JR é com a presença ou não de goleiros. Dessa forma, os jogos podem ser realizados somente com jogadores de linha, com o objetivo de manutenção da posse de bola(20). Pode-se colocar mini gols, onde o objetivo passa a ser realizar o maior número de gols. E por fim, pode-se ter a presença de goleiros defendendo uma meta, como nos jogos oficiais.
Os resultados apontam em direção a uma maior intensidade nos JR quando há presença de goleiros. Entretanto, os jogos utilizando manutenção da posse de bola ou mini gols também são referendados como sendo de intensidade satisfatória para que haja melhora do condicionamento aeróbio.

Duração e Modo de Exercício
Os estudos evidenciam que os JR causam estímulos de alta intensidade no sistema cardiorrespiratório. Entretanto, é conveniente considerar o volume total de exercício realizado nos jogos com campo reduzido. A maioria dos estudos utilizou os JR de maneira intervalada, ou seja, jogos divididos em mais de uma série, com tempo de recuperação, ativa ou passiva, semelhante ao tempo de jogo. Contudo, foi verificado em outros estudos que JR com somente uma série e tempo de exercício mais prolongado, a intensidade foi alta (>80% FCmáx), próxima às obtidas nos formatos mais tradicionais, intervalados(13, 19, 21, 22).
De forma geral, modulando a duração e modo de exercícios pode-se obter estímulos capazes de melhorar o condicionamento aeróbio específico, apesar de recentes achados mostrarem não haver efeito da duração dos JR na intensidade do exercício(12). Foi verificado que, à medida que aumenta-se o número de séries, a percepção subjetiva de esforço aumenta e a eficiência de ações técnicas diminuem, fator esse que pode ser explicado pela fadiga(12). Uma vantagem de utilizar jogos com duração maior é que os atletas têm maior contato com ações técnicas. Em contrapartida, quando o exercício tem curta duração, as ações de corrida em alta intensidade e sprints aumentam, gerando uma contribuição maior do sistema anaeróbio, aumentando a adaptação específica a esses esforços e melhorando o desempenho competitivo.

Incentivo Verbal
Os JR são por si só mais motivantes para os jogadores do que os treinamento aeróbio gerais, de corrida contínua ou intervalada. No entanto, a intensidade do exercício não pode ser controlada simultaneamente pelo treinador, visto que as ações durante o jogo são imprevisíveis e depende, sobretudo, da participação voluntária dos atletas em ações com elevado gasto energético: como sprints, corridas em alta intensidade, saltos, divididas. Dessa maneira, uma forma de aumentar a intensidade dos JR é dando aos atletas incentivos e orientações verbais sobre suas ações no jogo.
Segundo os achados do estudo de Rampinini et al.(7), a participação ativa do treinador, incentivando verbalmente e instruindo os atletas, pode fazer com que os atletas realizem esforços com intensidade mais alta. Ademais, essas informações podem servir para melhorar a inteligência tática dos atletas, no posicionamento dentro de campo e autonomia em situações-problema que acontecem no jogo, podendo refletir em uma melhor unidade tática coletiva da equipe.

Outras Regras
Diversas variações de JR são possíveis manipulando algumas variáveis. Dentre as variáveis que podem ser utilizadas nos JR, pode-se salientar a reposição de bola rapidamente(7, 12, 13, 21, 23, 24), marcação sobre pressão da equipe defensora(5, 11) e limitar o número de toques na bola(12, 24), etc.
De acordo com os achados de Hill-Haas et al.(13), regras relacionadas ao número de passes, ocupação específica de zonas no campo para contar pontos, utilização de jogadores de apoio em volta do campo, etc., podem modificar algumas condições de jogo e, conseqüentemente, aumentar as sobrecargas de treinamento, seja na intensidade do exercício quanto no padrão de movimento realizado.

Princípios e Subprincípios Táticos
Vem sendo discutido que os princípios táticos devem subsidiar a elaboração dos JR(25, 26). Os estudiosos do assunto ressaltam que a elaboração do jogo deve ser pautada antes de tudo no modelo de jogo pensado pelo treinador, juntamente com características dos jogadores, que competem à qualidade física e técnica dos mesmos(26).
Os estudos até o momento, quase que em sua totalidade, investigaram a intensidade de JR com formatos tradicionais, de 1 vs. 1, 2 vs. 2, 3 vs. 3, etc. com utilização de mini gols, goleiros ou somente jogos para manutenção da posse de bola(2, 3).
Diante disso, os primeiros estudos já avançaram nesse sentido, mostrando que jogos que trabalham transições, ofensiva(27, 28) e defensiva(28), e pressing(27); são característicos de esforços em alta intensidade (sprints e corridas em velocidade alta) e pausas breves (recuperação incompleta).
Os JR tornam-se uma excelente opção para os treinos, porque, além de aumentar o número de ações exigidas dos atletas, também pode aumentar o nível de intensidade destas ações, ou seja, conforme o JR escolhido, o atleta tem de antecipar mais rapidamente, tomar decisão mais rapidamente, executar mais rapidamente, criar linhas de passe mais rapidamente, ocupar o espaço mais rapidamente, etc(29).

Considerações Finais
Haja vista às evidências levantadas na literatura específica do futebol, doravante, os JR devem ser utilizados como meio efetivo de treinamento do condicionamento aeróbio. O entendimento de que algumas variáveis influenciam a intensidade do JR é importante para a escolha do exercício de treino, ajudando no planejamento de todo o processo.  É importante salientar que os objetivos da utilização de JR não se findam somente em aprimorar ou manter o desempenho das capacidades biomotoras, mais que isso, leva a cabo todos os aspectos que o jogo de futebol demanda (o físico, a técnica, a tática, o psicológico...). Por essa razão, é tido como um meio ótimo de ensino/treinamento do futebol, desde níveis iniciais de aprendizagem até o aprimoramento de aspectos físicos, táticos e técnicos em níveis de excelência.

Referências Bibliográficas

2.            Pasquarelli BN, Souza VAFA, Stanganelli LCR. Os jogos com campo reduzido no futebol. Revista Brasileria de Futebol. 2010;3(2):2-27.
3.            Hill-Haas SV, Dawson B, Impellizzeri FM, Coutts AJ. Physiology of small-sided games training in football: a systematic review. Sports Med. 2011 Mar 1;41(3):199-220.
7.            Rampinini E, Impellizzeri FM, Castagna C, Abt G, Chamari K, Sassi A, Marcora SM. Factors influencing physiological responses to small-sided soccer games. J Sports Sci. 2007;25(6):659-66.
29.          Garganta J. Competências no ensino e treino de jovens futebolistas. Lecturas Educación Fisica y Deportes [serial on the Internet]. 2002; 8(45): Available from: http://www.efdeportes.com/efd45/ensino.htm.

*Bruno Pasquarelli é coordenador técnico e fisiologista das categorias de base do São José Esporte Clube. Especialista em Treinamento Desportivo pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestre em Fisiologia do Exercício pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

*Lucas Villela é treinador da categoria sub 15 da Junior Team Futebol, Londrina-PR. Graduado em Esporte pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Cursa Especialização em Futebol e Futsal pela Universidade Gama Filho (UGF).

*Bruno Comelli é analista de desempenho do profissional no Clube de Regatas do Brasil, CRB-AL. Graduado em Esporte pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

*Victor Souza é Preparador Físico de Futebol. Especialista em Treinamento Desportivo pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

*Bruno Baquete é assistente técnico nas categorias de base do Sport Club Corinthians Paulista. Graduado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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