sexta-feira, 13 de julho de 2012

Uma Análise Crítica Sobre a Pesquisa Científica Aplicada ao Futebol (Parte I)


Bruno Natale Pasquarelli*
 

O avanço do conhecimento e de tecnologias de qualquer área ou segmento dá-se por meio da pesquisa científica. No Brasil, de modo geral, a produção científica cresce anualmente. Segundo dados da CAPES, no período de 2005 a 2009 o Brasil foi o 6º no ranking dos países que mais produziram artigos científicos, ocupando o 13º posto dos países com maior número de artigos científicos publicados (Dominguez, 2012).

Em contrapartida, quando avalia-se o fator de impacto dos trabalhos produzidos no Brasil - pela média de citações em determinado periódico - a representatividade do país muda, ocupando somente o 47º posto dos países com mais citações de seus trabalhos científicos (Dominguez, 2012). Assim sendo, podemos detectar o primeiro problema relacionado à ciência feita no Brasil: grande parte dos estudos realizados não são “lembrados” nas discussões de trabalhos subsequentes da área.

Não diferente no futebol, o número de pesquisas científicas cresce a cada ano. Para ilustrar este fato, se fizermos uma busca no principal banco de dados de artigos científicos - PubMed - pelo descritor soccer, tendo em vista que a maioria da produção científica é divulgada em língua inglesa, encontraremos uma crescente no número de trabalhos publicados ao longo das décadas: na década de 70, por exemplo, foram publicados 101 artigos científicos relacionados ao futebol; na década seguinte o número de trabalhos publicados cresceu, totalizando 348; o mesmo aconteceu na década de 90, somando 773 artigos; e de 2000 até o presente, foram publicados aproximadamente 3459 artigos, sendo, aproximadamente, 2110 nos últimos cinco anos. Isso sem contar os demais tipos de produção científica (teses, livros, etc.), em diferentes idiomas e que não estão contempladas na plataforma pesquisada.

Analisando os dados fornecidos acima, podemos considerar que estamos progredindo, já que o mundo todo está estudando mais futebol, certo?

“Não é bem assim! E explico”.

Apesar de um comportamento crescente na produção científica, ainda encontramos uma estagnação nos métodos de treinamento no futebol e um dos principais problemas é que nem sempre a pesquisa contempla os interesses e as necessidades dos profissionais que tem a função de ensinar/treinar o futebol. E isso é grave!

Mas então o que acontece com o montante de artigos científicos publicados? Para quê servem?

Tomando como base Khun (2003), o futebol passa por um período em que a maioria das pesquisas são dirigidas à paradigmas já existentes (apesar de alguns avanços notados), com pouco interesse em produzir grandes novidades, o que o autor chama de “Ciência Normal”. Dessa forma, todo “conhecimento” produzido não passa de afirmações que se acumulam e que corroboram com o paradigma em questão. Isto está claro quando acompanhamos algum tema específico da área do futebol. Por exemplo, quando os primeiros trabalhos apontaram que os jogos reduzidos (small-sided games) poderiam provocar o mesmo estímulo fisiológico que um treinamento aeróbio de corrida, contínua ou intervalada, foi comprovado que esse método de treinamento era eficiente, modificando assim a maneira de se pensar a preparação física dos jogadores de futebol por parte de alguns profissionais.

No entanto, aproximadamente dez anos depois, a cada número lançado de revistas da área tem sido publicado algum artigo investigando o efeito agudo dos treinamentos com jogos reduzidos. Mesmo depois de algumas revisões serem publicadas atestando seus efeitos e mostrando as influências de algumas variáveis (Pasquarelli et al., 2010; Hill-Haas et al., 2011), continuam a publicar mais e mais artigos sobre o mesmo tema.

E os pesquisadores insistem em disfarçar seus trabalhos, mostrando pequenas modificações, geralmente utilizando amostras com diferentes níveis de competição e/ou idade, para tentarem aumentar a validade ecológica do seu estudo. Entretanto, nenhum dos estudos provou o contrário daqueles publicados há, aproximadamente, dez anos atrás: “jogos reduzidos são intensos e podem provocar adaptações no condicionamento de jogadores de futebol”.

“Ponto!” É somente desta informação que precisamos para trabalhar. Doravante, deveremos realizar nossas pesquisas em direção ao avanço dos conteúdos relacionados à utilização do jogo como método de treinamento!

Daí então eu pergunto: “Para quê servem estes trabalhos? Para saber mais sobre o mesmo, talvez!”

O problema detectado no exemplo citado acima pode ser visto em outros temas, como nos trabalhos que investigam o desempenho de jogadores de futebol em testes das capacidades biomotoras, na distância percorrida durante a partida, na realização de ações intermitentes de alta intensidade; entre outros temas, os quais existem inúmeros trabalhos mostrando resultados que, em essência, dão a mesma informação aos leitores.

Tendo em vista a problemática apresentada acima e o sistema de atribuição de mérito aos pesquisadores das mais diversas áreas, que nos educa a produzir em grandes quantidades, estamos em um momento de crise científica, embora os números apontem para um maior acúmulo de informações. Há a necessidade de descobertas, ao invés de inventar sem o compromisso de inovar, investigando sempre sob um mesmo olhar, fechado dentro de um mesmo paradigma.

No segundo texto da série será mostrado como um novo paradigma pode emergir em meio a crise e como podemos direcionar melhor a pesquisa aplicada ao futebol.

Até lá, vamos refletir um pouco sobre o que foi abordado no texto corrente.
Referências Bibliográficas
DOMINGUEZ, B. Ciência feita no Brasil. RADIS. Fiocruz. 117: 20-21 p. 2012.
HILL-HAAS, S. V. et al. Physiology of small-sided games training in football: a systematic review. Sports Med, v. 41, n. 3, p. 199-220, Mar 1 2011. ISSN 0112-1642 (Print)
0112-1642 (Linking). Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21395363 >.


*Bruno Pasquarelli é professor universitário das disciplinas de futebol e bioestatística (UNIP/São José dos Campos-SP). Mestre em Educação Física pela UEL. Doutorando pela UNICAMP. Coordenador pedagógico das categorias de base do São José EC.

4 comentários:

Leandro Teixeira disse...

Professor Bruno !
Parabéns pelo texto. Extremamente relevante o assunto. Debates como este são o ponto de partida para novas idéia. Grande abraço.

att,

Leandro Teixeira Floriano

antonio Carlos Gomes disse...

Prof. Bruno,

O seu texto I - sobre o futebol, é simplesmente formidável, quando tivermos oportunidade, gostaria de falar pessoalmente com você sobre esta questão. PESQUISA NO FUTEBOL.

Parabéns.. precisamos de cabeças como a sua para chamar a atenção dos pesquisadores no Brasil, no sentido de dirigir as pesquisas para assuntos mais amplos e modernos no futebol.

SUCESSO,
PROF. DR. ANTONIO CARLOS GOMES

Unknown disse...

Parabéns professor Bruno! É um prazer trabalhar com você. É um dos grandes cientistas do futebol!

Anônimo disse...

Boa noite Prof. Bruno N. Pasquarelli.
Corroborando com as idéias de Floriano e Gomes, excelente texto, parabéns e continue assim...!
É isso, já começou e esse é o caminho...!
Abraço.

Att,
Guilherme A. Bassi